Mauricio Figueiredo

Educação, recursos humanos e o melhor do et cetera

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Pra não dizer que não falei do Flores - *Carlos Ney


O Flores é um cara assim meio que puxado pro comum. Como aquele nosso vizinho da casa ao lado. Velhote, com a careca lustrosa escondida por longos, embora ralos, fios de um branco amarelado, ele tem a fisionomia fechada dos descontentes. Flores tem ódio das motos de gás, que passam gritando o seu produto. Vocifera contra o fedor do caminhão do lixo, e só falta bater nas moças que descartam em seu portão os encartes dos supermercados. As crentes que não o conhecem, e só por isso o abordam, querendo dividir com ele alguma passagem do Livro Sagrado, ele trata como bruxas. Flores também detesta crianças e suas pipas inconvenientes; além dos gatos que enchem de bosta o seu jardim.
E essa seria a história, num preto e branco desinteressante, do viúvo Flores, se a caminhonete, com toda uma casa desmontada em sua carroceria, não despejasse na sua rua uma nova flor: Petúnia.
Aqueles que comentam o fato, acrescentando-lhe cores mais vivas, começam por ressaltar o fato de que aquele dia, o primeiro sábado da primavera, já nascera diferente. O sol, depois de longas semanas de muito frio e chuvas, mostrava em sua cara redonda um sorriso caloroso. As crianças ganharam as ruas, acrescentando sons que estavam escondidos.
Na verdade, ninguém sabe como a coisa começou. Petúnia, uma flor de pessoa, levava e trazia consigo um sorriso mágico, nas idas e vindas que fazia. Nem bem chegara e já era parte daquele todo. Trecho pequeno, separando duas esquinas importantes. Mas, para os que ali residiam, era o centro do mundo.
Como milagres acontecem, o novo casal começou a ser visto cada vez com mais frequência. Iam juntos à feira e não faltavam às missas de domingo. Adivinhem quem plantou, com mãos amorosas, o novo jardim de Petúnia? Mas não apenas isso. Com mangas arregaçadas e pose de engenheiro- chefe, Flores chefiou a pequena turma de operários que transformou aquele casebre acanhado, num castelinho encantado das histórias de faz-de-conta. Afinal, conforme dizia para quem quisesse ouvir, ali morava uma princesa.
Flores, que agora é o personagem mais popular da rua, está sempre ajudando um e outro. As crianças o cercam, por conta das balas que sempre traz nos bolsos. Conversa com vizinhos e com o rapaz da moto de gás. Pega, com um sorriso, os encartes de supermercados, e tem uma piada para dizer ao pessoal do lixo. Aos domingos, depois da missa, a pequena família mantém o costume de passear na praça da igreja matriz. O lugar onde se conheceram. O sorridente Flores, de mãos dadas com a doce Petúnia, carregando, com orgulho de pai, a manhosa Greta; a gata cor de cenoura que algum anjo bondoso deixou em sua porta.

*Carlos Ney é jornalista e escritor

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