Mauricio Figueiredo

Educação, recursos humanos e o melhor do et cetera

quinta-feira, 28 de julho de 2016

E você, vai votar em quem? *Carlos Ney


O Deoclécio é homem de convicções profundas, segundo ele mesmo afirma. Nem bem o sol despontou e ele, com o título de eleitor na mão, foi exercer o "direito obrigatório" do cidadão. E não era o único, constatou alegremente. Não tardou muito para que fosse abordado. A mulher, com flamejantes cabelos vermelhos, parecendo não levar em conta o fato de que era uma total desconhecida, foi logo perguntando: - E aí, fofo, vai votar no nosso candidato, não vai? Vermelho como um tomate de propaganda do Green Fruit, o Déo (como era tratado pela turma do carteado), gaguejou um "nosso, qual nosso?". - O Juarez da Fisioterapia! - Ah...! A mulher parecia conhecer a vida do (segundo ela) futuro prefeito da cidade. - Ele construiu com as próprias mãos uma policlínica que deveria ser modelo para a nossa Saúde Pública. Preciso dizer mais alguma coisa, fofo? E deixou o Fofo, digo, o Deoclécio, com a certeza de que o Juarez era a escolha adequada. Sua certeza durou até que o Juscelino, seu barbeiro, lhe puxasse para um abraço. - Déo, o nosso candidato precisa do seu voto! O consumismo é o filho bastardo do capitalismo. Compramos o que não precisamos; e o resultado está aí. Deoclécio, olhando para um lado e para o outro, procurou o tal resultado. Sua cara de dúvida falou por ele. Juscelino, um ativista em favor das causas sociais, explicou: - O lixo, homem! Vote pela vida! Vote Verde! Vote no Norberto Araruama! Pombas, o Deoclécio, que detestava sujeira e só comprava o essencial (aquilo que cabia no seu modesto orçamento de aposentado), decidiu que o Norberto, Engenheiro e ex-vereador, receberia o seu voto. E não se falava mais... -Tio, o senhor já tem candidato? A garota não deveria ter mais do que o quê: 15 anos? Estava com a sua turma. Outras cinco, variando a mesma idade. Como colocar um traço de tristeza nesses rostos jovens? Não! Deoclécio jamais faria isso. Suavizando a voz, perguntou para quem elas estavam pedindo voto. - Para o André Mônica - gritaram com entusiasmo. E percebendo certa dúvida nos olhos do "tio", explicaram: - O André é o cara mais legal dentre os políticos. Foi vereador, acho que quatro vezes. Como prefeito, fez obras em todos os bairros. É advogado e produtor rural. E juntas, numa só voz, gritaram: - André é o cara! Com os ouvidos abalados pelo grito juvenil, Déo não teve o menor constrangimento em mudar sua escolha. E além de tudo, André é tricolor, como ele. Nem percebeu que havia sido envolvido por um grupo de evangélicos (as roupas de missa, digo, de culto, falavam isso). - Irmão, você conhece o jovem político, Anderson Moura? O único a ser vice-prefeito, por duas vezes? Homem de Deus. Cristão convicto e praticante. Não deixe que o "inimigo" sussurre em seus ouvidos para que vote em outro. Fique com Jesus! Deoclécio, apesar de uma ou outra escorregada, era religioso. Ecumênico em suas crenças, já que assistiu algumas vezes a Missa do Galo, acompanhado sua saudosa mãezinha - que Deus a tenha. O que não impedia de jogar flores ao mar, na virada do ano e acender raros incensos ao lado da miniatura de um Buda chinês. Alguém com forte sentimento de fé seria, com certeza, a melhor opção. O seu nome gritado em plena rua, algo jamais ouvido por ele, fez com que se encolhesse. - Ô, meu rei. Como está você? Era Chiquinho do Atacadão, que depois tornou-se da Educação. É claro que Deoclécio o conhecia. O espanto era saber como Chiquinho adivinhou seu nome, já que, por toda a sua existência de quase-araruamense, o ex-prefeito (por duas vezes eleito) jamais havia chegado tão próximo a ele. Beijando respeitosamente a mão da esposa, Livia de Chiquinho, soube, que ela seria a primeira mulher a exercer a prefeitura. Chiquinho garantiu isso. Como não ser convencido por tamanha certeza. Pouco antes de chegar ao local onde votaria, Deoclécio foi abduzido por um buraco e teve que ser conduzido, pelo carro de resgate do Corpo de Bombeiros, até a UPA. Ele só não entendia por que o buraco estava ali. A imprensa local havia estampado fotos daquela obra recente. Deoclécio, homem de fortes convicções, poderia até estar em dúvida quanto ao candidato em quem votaria. Mas, com certeza, se dependesse dele, o prefeito e o buraco dele seriam varridos do mapa.

Nota - A ideia é compor, com esta crônica, um mosaico bem humorado com os nomes mais prováveis para a sucessão em Araruama. Aos que citei pelo nome, todos merecedores do meu carinho e respeito, o meu abraço.

*Carlos Ney é jornalista e escritor

Nenhum comentário:

Postar um comentário