Garoto, pela primeira vez em todos esses anos, a certeza de que está cada vez mais próximo o dia em que a vida irá abandonar o meu corpo, me fez pensar em você. Um quadro assustadoramente real, embora vívido apenas em minha mente, permitiu que eu visse você, com oito anos, se tanto, querendo saber coisas sobre o seu avô. As fotos que você tinha em mãos, que tinham sido caprichosamente arquivadas por sua mãe no velho álbum de família, já não bastavam para sua curiosidade. E foi por conta disso, a impossibilidade de estar com você, mesmo que por um instante apenas, que a inevitabilidade da morte me angustiou. Claro que, numa ou noutra situação, seu pai irá se referir a mim, dividindo com você alguns dos muitos momentos em que ele e eu estivemos juntos na melhor fase da minha vida.
Esperto como eu sei que você é, essas informações serão montadas por você como um quebra-cabeça, até que surja dali um avô que, embora criado pelas suas expectativas mais favoráveis, não serei eu. E, muito mais do que quero, eu preciso ser apresentado a você, do jeito que eu realmente sou.
Devo lhe dizer que eu não lembro muitas coisas da minha infância. Nunca me interessei em colecionar fotos dela. Em minha memória, no entanto, guardo a certeza de ter sido muito amado pelos meus pais, a alegria de conviver com meus irmãos, as muitas festas que enchiam de gente a nossa casa.
Eu deveria ter sido melhor, como pessoa, tenho certeza disso. Poderia ter me esforçado mais. Não dei o devido valor a algumas das oportunidades que chegaram até mim por conta do sacrifício dos meus pais. Sacrifício esse que, por estar muito ocupado comigo mesmo, sequer percebia. Achando que tudo jamais deixaria de ser como era, jamais pensei em agradecer aos meus pais por tudo o que fizeram por mim. Jamais lhes pedi perdão por não haver realizado qualquer dos seus sonhos e por ter criado para eles tantas decepções.
Mais tarde, com meu filho, essas coisas todas ficaram muito claras para mim. Mas eu já não tinha comigo o meu pai e minha mãe. Ou qualquer dos meus dois irmãos. E a dor de não poder abraçá-los do jeito que nunca fiz, ainda permanece comigo, mesmo após tantos anos.
Para me absolver, costumo repetir para mim mesmo que tentei, com todas as minhas forças, ser um excelente pai para o meu filho, buscando refletir nele o caráter do avô. E sua total devoção a família. Assim fazendo, pude ver que se ia reduzindo mais e mais a imensa distância que um dia me separou deles. Hoje, nas noites em que eles chegam até mim nos sonhos, eu percebo em seu silêncio carinhoso, o mesmo amor incondicional que jamais me negaram em qualquer dos dias das nossas vidas. Só que, diferente de antes, eu agora posso olhar dentro dos seus olhos sem medo ou vergonha, dizendo para eles o quanto é sentida a sua falta.
Portanto, garoto, nunca esqueça de que seu avô foi um homem comum. Não herói. Não sábio. Uma pessoa em nada melhor do que as outras todas, mas que aprendeu com os próprios erros. E que precisou, num momento em que havia ido tão longe que se julgava perdido, que um garotinho, assim como você, lhe mostrasse o caminho de volta.
* Carlos Ney é jornalista e escritor
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