'Conte Algo que Não Sei': Expansão desenfreada das UPPs pode ter atrapalhado sucesso da política de segurança
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) promoveu na quinta-feira, dia 30, a segunda edição do evento ‘Conte Algo que Não Sei’. O jornalista Ancelmo Gois entrevistou o coronel da reserva da Polícia Militar, Jorge da Silva, sobre o tema “UPP deu certo?”. Os dois debateram os benefícios e os problemas das Unidades de Polícia Pacificadora, o modelo de combate ao tráfico de drogas utilizado no Rio e o contexto social em que a UPP e a questão da segurança pública estão inseridas.
Questionado sobre se a UPP deu certo ou não, o ex-chefe do Estado Maior da PM, coronel Jorge da Silva, que é nascido e criado no Complexo do Alemão, na Zona Norte, analisou os prós e contras da política de segurança. “Temos um ganho na redução dos homicídios em áreas com UPPs, os traficantes não circulam mais livremente ostentando poder e armas, foi possível entrar nas favelas levando serviços básicos e sociais. Tudo isso é positivo. Mas lamentavelmente tem aspectos negativos. O erro foi decidir expandir a implantação da UPP mesmo sem efetivo policial suficiente e o planejamento necessário para que não tivéssemos essa matança de jovens e policiais que temos hoje nas favelas”, ressaltou.
No entanto, ele explicou que já houve um entendimento por parte do governo estadual de que é preciso frear a expansão das UPPs para organizar as 38 unidades que já existem. “Neste momento, o Estado Maior da PM está revendo todo este planejamento, parou de expandir pra consolidar. O governador Pezão está trocando os contêineres de lata por unidades de alvenaria e formando policiais para aumentar o efetivo. Parece que há uma perspectiva de que esse programa possa perdurar”, acredita o militar.
O jornalista destacou que, nas últimas décadas, a segurança pública se tornou um problema sério, que não pode ser ignorado, principalmente pelo governo federal, que possui mais recursos e ferramentas para combater o tráfico de drogas e armas, mesmo sendo atribuição das administrações estaduais zelar pela segurança. Se mostrando a favor das UPPs, Ancelmo Gois ressaltou que houve significativa redução dos homicídios em áreas pacificadas. “A realidade no Rio de Janeiro antes da UPP em muitas áreas era parecida com a do estado islâmico. Eram locais dominados pelo tráfico, onde governo e polícia não podiam entrar. Mas tem questões muito graves para serem resolvidas. Achei muito interessante uma colocação que foi feita pela plateia de que a UPP é uma tentativa de solução local para um problema nacional. Também acho que a redução dos homicídios deve-se em grande parte a esta política”, opinou.
O coronel da reserva da PM também destacou que é importante levar em consideração na análise o contexto social existente no Rio de Janeiro, impregnado pela discriminação racial e social. Questionado sobre seu posicionamento em relação à legalização das drogas, o coronel Jorge da Silva criticou o modelo de combate ao tráfico de drogas utilizado no Rio. “Não se acaba com o tráfico acabando com os traficantes. A questão das drogas que deveria ser social virou caso de polícia. Se regularizassem alguns entorpecentes teríamos muito menos mortes na guerra contra as drogas. Aqui funciona um modelo macabro de matança da juventude e de negros e pobres. A discussão da UPP está ligada a todas essas questões, como o racismo estrutural”, defende.
O jornalista Ancelmo Gois citou a educação como elemento essencial para reverter esse quadro e trouxe para o debate a questão do poder econômico, que, na sua opinião, influencia certas ações. Por sua vez, o militar entrevistado destacou que os rótulos são dados às pessoas de acordo com a classe social a que pertencem. “O rico que vende drogas é chamado pela mídia de jovem de classe média e não de traficante. Por que? Há um arquétipo no Brasil que denomina de traficante somente o pobre e oriundo da favela”, opina o coronel, acrescentando que há uma espécie de cultura do oportunismo na sociedade. “Os policiais que se formam tem ido para as UPPs da capital, desguarnecendo outras localidades. É a história do ‘farinha pouca, meu pirão primeiro’. Quem tem mais poder e voz na sociedade consegue canalizar esforços e recursos para sua área. Por isso, tiro meu chapéu para o atual governo porque eles estão procurando redistribuir e equalizar esse efetivo por todo o estado”, elogia.
A corrupção também foi tema de reflexão durante o ‘Conte Algo que Não Sei’. Jorge da Silva disse que é muito difícil estimular jovens pobres a seguirem o caminho da legalidade. “Quem deveria dar o exemplo no país é justamente quem está envolvido nos esquemas de corrupção. Então fica difícil convencer as pessoas de que têm que largar esse modo de ganhar dinheiro fácil”, explicou.
O desembargador Siro Darlan e o juiz da 2ª Vara de Família de Madureira, Luís Carlos Veloso, participaram do evento como espectadores. Ao final da entrevista, o desembargador leu o relato de uma moradora de comunidade contando que todos os dias morrem policiais, bandidos e moradores e que as crianças têm medo da polícia. O magistrado defendeu que moradores de áreas com UPPs também precisam ser ouvidos em debates como esse promovido pelo Poder Judiciário. “Continuamos cometendo o mesmo erro. Coloca polícia para resolver problema social. Isso se resolve com escola, posto de saúde, lazer, respeito e dignidade”, opina Darlan.
Já o juiz Luís Carlos Veloso, que faz um trabalho social com jovens de comunidades carentes e também tem origem humilde, disse que falta aproximação da polícia com a população. “O que eu acredito que precisa ser feito é que a polícia precisa se aproximar mais da comunidade para que seus anseios sejam ouvidos”.
O projeto “Conte Algo que Não Sei” é inspirado na coluna do jornal O Globo e idealizado pelo professor e historiador Joel Rufino dos Santos, diretor-geral de Comunicação e de Difusão do Conhecimento (DGCOM) do TJRJ.
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