Especialistas enfatizam Educação e Comunicação para mudar paradigma
Dez anos após sua promulgação, a Lei Maria da Penha (a Lei 11.340/06), ainda precisa de uma divulgação e conscientização mais intensas para a sociedade. É a avaliação de especialistas que participaram de um debate promovido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), na terça-feira, dia 2. O evento contou com a parceria do Projeto Mulheres50mais. Em consenso, a necessidade de uma campanha de conscientização nos veículos de comunicação e de setores da educação em relação ao papel da mulher na sociedade. O evento foi realizado do Antigo Palácio da Justiça.
A juíza auxiliar da presidência do TJRJ, Adriana Ramos de Mello, uma das debatedoras convidadas, avalia que a imprensa tem um papel fundamental no processo de combate à imagem estereotipada da mulher veiculada, tanto em matérias jornalísticas, quanto em peças publicitárias. Para que a Lei Maria da Penha seja aplicada na sua plenitude, é preciso que se promova uma mudança na cultura, que passa pela educação nas escolas, segundo a magistrada.
“Um dos artigos que considero mais importantes da Lei é o artigo 8º, que trata das medidas integradas de prevenção. Destaco o inciso III, sobre o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem a violência doméstica e familiar contra a mulher. O papel da comunicação é fundamental. Dependendo do enfoque, da forma que vai conduzir a notícia, o veículo de comunicação pode acabar de matar a vítima ou transformar o réu agressor em inocente”, afirmou a juíza.
A magistrada considera que, após 10 anos de vigência da Lei, é preciso, também, intensificar as campanhas nas escolas, no sentido de buscar uma mudança de cultura em relação ao papel da mulher na sociedade.
“A Lei, até agora, priorizou o âmbito de repressão e punição em relação à violência contra a mulher. Isso já está sedimentado e faz parte da cultura do Poder Judiciário. Mas ainda não temos uma campanha direcionada que altere os currículos escolares. E para isso destaco o inciso VII, que determina ‘a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia’. Só vamos mudar a cultura se trabalharmos com a educação”, destacou.
Jornalista alerta falta de conhecimento de estudantes
Sob a mediação da jornalista Angelina Nunes, do Mulheres50mais, o debate contou com as participações da psicóloga Cecília Soares, que implantou e coordenou o Centro Integrado de Atendimento à Mulher (Ciam) e da consultora do Instituto Carlos Chagas para o projeto Menina-Moça-Mulher, de atendimento a mulheres em situação de vulnerabilidade social, Lia Blower.
Também professora universitária, a jornalista destacou a importância da comunicação na divulgação da Lei Maria da Penha. Ela lembra que, em uma de suas turmas, constatou a falta de conhecimento dos alunos sobre a lei. Angelina ressaltou que vários veículos de comunicação utilizam, diariamente, termos que reforçam estereótipos contra a mulher.
“Nos deparamos todos os dias com essa visão distorcida do papel da mulher. Nas novelas não é preciso ter uma troca de tapas. Precisamos chamar a atenção de vários editores de rádio, TV, revistas e jornais em relação ao uso de termo estereotipados e inadequados em relação à mulher em várias matérias jornalísticas. Sou também professora de comunicação e percebo o desconhecimento dos meus alunos em relação à Lei”, frisou Angelina.
Estatísticas podem revelar maior conscientização das mulheres, diz psicóloga
Para Cecília Soares, após 10 anos da Lei, é preciso ter atenção na leitura sobre o crescimento dos números sobre casos de violência contra a mulher, para não se fazer uma avaliação errônea sobre o sucesso da Lei.
“Os dados que apontam: 405 ocorrências de violência contra a mulher, por dia, no Brasil. Isso demonstra que a situação é muito grave. Os números aumentaram. Mas será que é porque as mulheres estão mais conscientes e denunciando mais?”, questionou Cecília.
A psicóloga também destacou o artigo 8º da Lei, e defendeu ações que mudem a cultura em relação à mulher. Ela citou o caso de uma criança, em uma escola, que chamou a atenção de um colega, após ele ter sido agressivo com uma aluna, ressaltando que ele poderia ser preso pela atitude.
“Há um descompasso da cultura em relação à legislação. Temos que pensar no que se pode fazer. Como vamos cuidar das ações na educação. Uma criança deve entender que ela não pode bater em outra, não porque ela pode ser presa, mas porque tem que haver respeito. Precisamos mudar essa cultura e isso não acontece através de um decreto. Se a Lei garante hoje, formalmente, a igualdade entre homens e mulheres, temos muito a caminhar para mudar a cultura onde os salários da mulher são 60% menores que os dos homens e as mulheres ocupam apenas 10% da representação política do país”, afirmou.
Consultora aposta na educação: “acesso à informação é fundamental”
A consultora Lia Blower também aposta na educação para a mudança da cultura da sociedade em relação ao papel da mulher.
“Temos que desenvolver todo um trabalho de cultura e educação, com a mulher, com o homem e com a família. O acesso à informação é fundamental como forma de promover a conscientização sobre o que Lei Maria da Penha representa. O conhecimento da lei muda a cultura”, avaliou.
Para a psicóloga do Centro Integrado de Atendimento à Mulher Marcia Lira, Cristina Marques, que assistiu o debate, a mudança da cultura depende da mudança das práticas e dos discursos.
“Até agora o que vemos são campanhas contra violência, nos meios de comunicação, mas de uma forma unilateral, sem ouvir a sociedade. Não podemos mais nos conformar, por exemplo, com o que continua sendo veiculado nas novelas, que reafirmam e reatualizam os estereótipos querendo impor às mulheres o papel que elas devem desempenhar”, considerou.
Foto: Brunno Dantas/TJRJ
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