Mauricio Figueiredo

Educação, recursos humanos e o melhor do et cetera

sexta-feira, 8 de maio de 2009

A questão da escola pública

No século passado, até mais ou menos os anos 50 e início dos 60, a escola pública superava a particular em termos de qualidade. O ensino privado de elevado nível se destinava a uma pequena parcela da população. A escola pública funcionava como a grande escola da maioria, principalmente, a reduzida classe média. Com um número de analfabetos extremamente elevado, o número geral de matrículas era insignificante.
Em uma cidade como o Rio de Janeiro, as escolas públicas conseguiam um bom padrão de qualidade, pelo fato de as professores serem formadas pelo Instituto de Educação, a famosa Escola Normal da Rua Mariz e Barros, na Tijuca, que possuía os melhores professores do país.
O Rio contava com um reduzido número de escolas do que chamamos hoje de nível médio. O acesso ocorria por meio de exames de admissão, com uma disputa acirrada pelas vagas do Rivadávia Correa, Orsina da Fonseca, Visconde de Cairu, Clovis Monteiro, e alguns outros poucos colégios da rede. O concurso para o Instituto de Educação também exigia uma boa base por parte das alunas que acalentavam o sonho de ser professora. Eram os Anos Dourados, no qual o magistério figurava como uma carreira de elevado prestígio social e financeiro.

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O Rio, conforme os versos de Drummond de Andrade, contava com uma população de dois milhões de habitantes naquela época. O problema da favelização ainda estava no começo, com a maioria dos morros não sendo ocupadas. Uma das principais favelas, a do Esqueleto, por exemplo, ficava em pleno asfalto, ocupando a área, onde atualmente está instalada a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Era um amontoado de barracões de madeira, com o esgoto correndo a céu aberto.
Com o vertiginoso aumento da população, e, a maior busca pelo ensino, a rede pública se viu estrangulada, com a necessidade de os governantes construírem escolas em todos os cantos. O Instituto de Educação e as novas escolas normais públicas não davam conta da necessidade de municiar o sistema com um elevado número de novos professores.
Para suprir a falta de professores, muitas escolas foram autorizadas a adotar a figura da “professoranda”, uma aluna de escola normal, que, com a orientação de uma professora mais experiente, ocupava a vaga existente.

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O rápido processo de transferência da população do campo para as cidades não foi acompanhado de políticas públicas que atendessem as reais necessidades da população. Com isso, os serviços públicos entraram em um processo de total deterioração. Foi o início da queda na qualidade no ensino público e, juntamente, dos demais serviços, como os transportes e a saúde. As favelas cresceram como nunca.
No início dos anos 60, muitos estabelecimentos de ensino particulares passaram a abrir mais espaço em seus cursos de formação de professores, beneficiados com o fim do acesso diretor das normalistas da rede oficial para o preenchimento das vagas nas escolas públicas. Anteriormente, o ingresso no Instituto de Educação, Carmela Dutra, Sarah Kubitschek, entre outras escolas normais oficiais garantia um emprego público ao fim do curso.




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Com o movimento militar de 1964, muitos dos espaços públicos passaram a ser ocupados pela iniciativa privada. Os estudantes, por exemplo, denunciavam o acordo MEC-Usaid, com a alegação de que, por ingerência externa, o Brasil diminuiria os seus investimentos na educação pública, abrindo campo para a área privada. Em pouco tempo, as universidades públicas que detinham quase 70% das matrículas no ensino superior tiveram a pirâmide invertida, passando a registrar um menor número de matrículas. Bandeiras estudantis, como a implantação do ensino noturno nas diversas instituições foram deixadas de lado e, durante muito tempo houve a ameaça da implantação do ensino pago nas universidades públicas.

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Como o ensino superior é de elevado custo, exigindo-se elevados investimentos, a universidade pública brasileira conseguiu manter o seu padrão de qualidade, principalmente, em cursos considerados de maior apelo por parte dos jovens, em termos de status, como os de Medicina, Engenharia, Odontologia entre alguns outros. Tal fato, no entanto, não ocorreu com a escola básica (o antigo primário) e a escola média (2º grau), onde a queda da qualidade tem sido vertiginosa, mantendo-se apenas alguns bolsões de excelência nas escolas de aplicação, ligadas às universidades, e estabelecimentos tradicionais como o Colégio Pedro II, escolas militares e escolas técnicas.

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Mesmo com o processo de democratização do país, o quadro do ensino público não foi revertido, pois o desmantelamento do bloco soviético, com o fim do socialismo real, e o crescimento da política neoliberal em diversos países, como um dos efeitos do processo de globalização, passou a fazer da educação um instrumento cada vez mais de poder, principalmente, no que se refere a manutenção do status quo e financeiro de uma classe média que acabou vendo no ensino privado, assim como nos planos de saúde e outras iniciativas similares, a saída para ver os filhos “vencerem na vida”.

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Desse modo, a escola pública tradicional passou a ser a escola do pobre, do filho do trabalhador de baixa renda e dos marginalizados. Com a perda da classe média, a pressão pela mínima qualidade de ensino passou a ser deixada de lado. O ensino massificado passou a ser apenas um atrativo para que as famílias dispusessem de um pouco mais de renda, economizando em alimentação (política da merenda escolar) e com a verdadeira reflexão sobre a importância da educação (políticas das bolsas).

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No aspecto ideológico, já se previa o que o filósofo Hebert Marcuse apontou como o surgimento do marginais do sistema produtivo, quando indagava: “o que acontecerá com os países quando os marginais do sistema produtivo explodirem?”
A escola pública, momentaneamente, perdeu o sentido, a medida que nossa sociedade não consegue gerar um número suficiente de empregos para absorver o elevado número de pessoas que precisaria ingressar no mercado de trabalho.

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Com o crescimento da economia informal – uma a saída adotada pela maioria da população como forma de sobrevivência – a ideia do passado de “estudar para vencer na vida”, perdeu o sentido para grande parcela da população pobre. Para muitos outros caminhos passaram a ser mais rentáveis, como os esportes, em especial o futebol para os meninos; a área artística, principalmente a música popular ou a indústria do carnaval. E, infelizmente, também para muitos o caminho da criminalidade.

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O crescimento da violência previsto por Hebert Marcuse e diversos outros analistas fez com que o Estado Policial passasse a ser o caminho natural em muitos países de baixo desenvolvimento. É natural, por isso, que o efetivo de policiais militares e policiais civis tenha de crescer fortemente, a fim de combater o também vertiginoso crescimento da violência em todos os níveis.

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A chamada valorização do professor – principalmente os das primeiras séries (ensino fundamental) é, em nossa atual sociedade, algo sem sentido. O Brasil não vê a educação básica como uma real prioridade, pois a indústria da violência é, de alguma forma, altamente lucrativa.
É, por isso, que questões como a das cotas nas universidades são de difícil entendimento para grande parcela da classe média brasileira, pois elas representam uma ameaça aos “direitos” de seus filhos.
Por isso, o discurso passa a ser o de que é preciso elevar a qualidade da escola pública, a fim de que a universidade seja alcançada pelo mérito.
Mas, é preciso um real entendimento para se perceber que esse tipo de “mérito” é, praticamente, impossível para a maioria, cujo destino tem sido de uma escola pública para a qual não há qualquer interesse em ter um elevado padrão de qualidade.
Essa escola não dá voto...

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