Mauricio Figueiredo

Educação, recursos humanos e o melhor do et cetera

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O voo 477 e a Nave Mãe Terra



De repente somos surpreendidos com um avião que cai no Oceano Atlântico ceifando mais de 200 vidas. São vidas com nacionalidades: francesa, brasileira, alemã e 71 vidas de outras nacionalidades.

Quando um avião cai coloca em dúvida a nossa teoria, ouvida de especialistas e repetida para algum amigo ou parente que viaja de avião: é o meio de transporte mais seguro que existe. Mas, como dizem os hermanos argentinos: apesar de tudo, cai.

E nós também caímos diariamente ao levantarmos da cama, quando sobrevivemos do sonho da morte. É mais um dia que começa e cá estamos. Alguns louvando o nascer do dia outros praguejando as contas a pagar e o trabalho-escravo (o nosso é sempre escravo) a nos esperar.

Nas bancas de jornais passamos ao largo ou paramos para ver a matança do dia. Bandidos que matam bandidos, policiais que matam bandidos, policiais que matam policiais, bandidos que matam inocentes, inocentes que matam bandidos, inocentes que matam e por aí vai. O noticiário procura sempre nos surpreender com o inusitado, que, em algum dia já foi: “cachorro fez mal a moça” e que hoje já não teria mais impacto.

Buscamos na queda do avião as explicações dos homens: dos ministros, dos peritos, dos religiosos e até dos numerólogos que por 1 mais 2 mostram que tudo estava pronto para o desastre iminente, em uma intrincada conjugação de números e probabilidades. Partimos incrédulos ou então acreditamos. Educados que somos para acreditar em tudo. Até na manchete da vaca que voa.

Se o avião marco de nossa tecnologia nos deixa na mão, o que pensarmos de nossos carros-carroça ou dos ônibus urbanos sem freio, sem óleo, sem motorista consciente que transporta 40 a 60 vida humanas? E os nossos trens continuarão andando nos trilhos? E as nossas barcas não nos aprontarão alguma nova manchete no meio da Baia da Guanabara?

E nós lamentamos as mortes do avião da Air France, como já lamentamos a do ônibus sequestrado ou do ônibus incendiado. E a cada dia que se sucede estaremos lamentando várias mortes.

No ônibus, no obituário do jornal procuramos algum conhecido que tenha partido antes de nós. Ou, politicamente incorreto, algum que, em nosso íntimo, dizemos “já vai tarde”.

Mas, os jornais não festejam a vida. Ninguém anuncia o seu rebento que acabou de nascer. Ninguém conclama nas páginas a chegada do João, da Maria, da Antonia, da Joana, do Roberto. Não há espaço para celebrar a vida.

E as barragens sangram e o rio desgraça famílias e gentes no Piauí. Mas, o que é o Piauí, além de um jornal para intelectuais?

E no Centro da nossa Terra cantamos a tristeza, esquecidos da vida.
Palavra de Mestre: “deixem que os mortos enterrem os seus mortos”.

Apesar de tudo: há vida.

“Cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida”, como nos versos de Belchior.
Ilustração: Mapa do Piauí


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