Mauricio Figueiredo

Educação, recursos humanos e o melhor do et cetera

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O DIA EM QUE O BRASIL CAIU NO PRIMEIRO DE ABRIL - 1



Uma história de 50 anos atrás

O RIACHUELO
ESPERA PELA BATALHA


Antes da deflagração do movimento militar de 1964 deflagrado, em Minas Gerais, pelo Marechal Mourão Filho, na madrugada de 31 de março para 1º de abril, muitos rumores sobre o possível golpe era fato corriqueiro entre muitas pessoas.
Na pacata e bem arborizada rua Marechal Bittencourt, no bairro do Riachuelo, subúrbio da Central do Brasil, residia o comandante do Exército, General Jair Dantas Ribeiro, então adoentado e de certa maneira afastado diretamente do cargo. Isso não impedia que no cair da noite muitos carros oficiais se dirigissem em direção à residência do velho militar. No Riachuelo, comentava-se que o próprio presidente João Goulart integrava a comitiva.
Quem conhece bem a linha da Central sabe que o Riachuelo é um bairro que vem antes do Méier, sem dúvida, ainda hoje o mais movimentado, entre as chamadas primeiras estações, que entre outras inclui São Cristóvão, São Francisco Xavier, Rocha e depois o próprio Riachuelo e espremido entre a ferrovia o bairro do Sampaio.
No início dos anos 60, os moradores do Riachuelo começavam a se achar especiais, em relação, aos da acanhada vizinhança mais pobre. Os primeiros edifícios com muitos andares foram erguidos lá. Também surgiu o primeiro banco comercial (antes se restringiam ao Centro da Cidade) e aos grandes bairros como Méier e Madureira. A criançada das escolas formaram fila para receberem uma latinha chamada de cofrinho do Banco da Lavoura de Minas Gerais.
Também foi no Riachuelo que surgiu o primeiro supermercado, desconhecidos na área do subúrbio (praticamente existiam somente na Tijuca e zona sul). O povão se concentrou à noite para o show de inauguração e nas primeiras horas da manhã, formaram-se filas em disputa dos inéditos carrinhos, no qual se colocavam as compras e diretamente levava-se as mercadorias em direção às caixas para efetuar o pagamento. Com o supermercado Disco, o Riachuelo matava de inveja a vizinhança, especialmente, o Sampaio, que concentrava a população mais pobre e possuía o Morro Quieto, com seus barracos de madeira e maioria de população negra. Lá foi que a Polícia foi cercar o bandido Miguelzinho, que para não ser morto foi resgatado pelo Padre Alexandre Língua, da Paróquia de Nossa Senhora, no Engenho Novo, nas imediações do Buraco do Padre, um espaço de travessia abaixo da linha do trem (a estação do Engenho Novo fica em uma parte elevada, no início de uma subida para o Méier e Lins de Vasconcelos). Miguelzinho se rendeu ao padre, acompanhado de sua mãe, em um tempo que bandido bom não era ainda bandido morto.
No início de um certo apartheid do subúrbio, o Riachuelo também reabriu um antigo e falido Cinema Modelo, com o nome de Cine Riachuelo, passando a dar uma nova opção de lazer aos moradores (antes a opção era o deslocamento para o Méier ou Centro da cidade). Lá apareceram também os primeiros gays, mas que possuíam outro nome, concentrados nos fundos do açougue de um tal de Miguel que os abrigava.
Quando o golpe militar foi desencadeado, a população do Riachuelo correu na manhãzinha do 1º de abril para a Rua 24 de Maio, a principal da área, que começa nas imediações do Rocha indo até o Méier, desembocando na Dias da Cruz e Amaro Cavalcanti que é a sua continuação com outro nome.
Caminhões passavam lotados de trabalhadores que gritavam estar indo em direção ao Palácio Guanabara para "tirar o Lacerda da cama". O governador da Guanabara era um dos líderes civis da derrubada do presidente João Goulart, articulada com o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto (dono do Banco Nacional, que tinha um guarda-chuva como símbolo, significando a proteção de seus clientes) e o de São Paulo, Ademar de Barros, ironizado pelo povão com o slogan "rouba mas faz".
A rádio de resistência do governo Goulart era a Mayrink Veiga, mais ainda que a emissora oficial a Rádio Nacional, enquanto a rádio Globo tinha maior sintonia com o governador Lacerda.
Na Mayrink eram entoadas marchas de resistência ao golpe e falava-se do Movimento da Legalidade deflagrado no Sul do país pelo governador do Rio Grande, Leonel Brizola. "Avante brasileiro avante! Unidos pela Liberdade, nós somos a Legalidade".
Mas, de repente, as transmissões da Mayrink Veiga cessaram e foram tomadas pelas da Rádio Globo, na qual o governador Carlos Lacerda saudava a "Revolução Redentora" que estava salvando o Brasil da anarquia e do comunismo. Adversário ferrenho do ex-ditador e presidente Getúlio Vargas, Lacerda acreditava que o movimento militar viria para instaurar um "verdadeiro" regime democrático no país, sem a participação dos chamados "inimigos da pátria", em sua concepção os adversários mais fortes para as eleições presidenciais de 1965 - o ano seguinte - na qual o ex-presidente Juscelino Kubitschek despontava como o principal concorrente. A partir dali a meta seria tirar Kubitschek do caminho para o Palácio do Planalto. O que Lacerda não contava é que mais tarde, ele também teria a "cabeça cortada" pelos militares.
De certa forma, como grande parte da classe média que começava a despontar, o Riachuelo estava do lado do golpe militar, com exceção do chamado povão, mas esse, como sempre, olhava apenas de longe a escaramuça política, como quem se acostumou a não acreditar em 1º de abril.

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