Mauricio Figueiredo

Educação, recursos humanos e o melhor do et cetera

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Um tiro no peito do Brasil


No dia 24 de agosto de 1954, o presidente Vargas (do ponto de vista histórico, o mais importante político da História Moderna do Brasil) com um tiro no coração saiu de maneira pomposa, como registrado em sua "Carta Testamento", da vida para entrar na História.

Era uma época de um país ainda romântico e de certa forma inocente. A morte de Getúlio Vargas foi resultado de todo um clima político que acabou envolvendo o então presidente no que se convencionou chamar de "Mar de Lama".

No Brasil de hoje, nem um mar de lama é capaz de derrubar um presidente. Quando mundo pode resultar em um "impeachement", mesmo assim se o indivíduo não ficar "esperto" no cargo e logo de saída avisar em alto e bom som de que "não sabia de nada".

O problema de Getúlio é que convocou para a sua Guarda Palaciana, um tal de Gregório. Tratava-se de um negro alto e sempre pronto a defender o chefão com a própria vida. Em suma: um indivíduo despreparado para o elevado cargo que ocupava, o que é comum ainda no Brasil atual, gerando lambanças como as do "mensalão" e outras mais.

O líder da Oposição ao governo Getúlio era o brilhante jornalista e político Carlos Lacerda. Hábil no uso das palavras, com discursos contundentes e também dono de um dos textos mais precisos da história do jornalismo brasileiro.

O governo Getúlio, no entanto, tinha o apoio popular, marcado pelo que se convencionou também chamar de "populismo", uma espécie de "bolsas" dos dias atuais, que obedece à máxima chinesa: "não importa a cor do gato, o importante é que ele mate o rato". E Getúlio era cognominado como "o pai do pobre", expressão tirada da Bíblia.

E o que fez Gregório em defesa do Poderoso Chefão? Decidiu matar o mal pela raiz. Armou uma cilada para Lacerda, contratando um pistoleiro para matar o político-jornalista. O episódio é conhecido como Atentado da Tonelero, pois foi naquela rua de Botafogo, na zona sul do Rio, no dia 5 de agosto, que o pistoleiro brasileiro, mostrando toda sua incompetência acabou acertando o Major Vaz, da Aeronáutica, e o pé de Lacerda (mas há getulistas que juram que Lacerda apenas mandou engessar o pé para dar maior dramaticidade ao atentado).

Uma lambança dessa fez o "mar de lama" transbordar. Além de Lacerda, os militares aumentaram o cerco contra o velho presidente, levando-o ao desfecho dramático do suicídio.

"Morreu o paí dos pobres. O que será agora dos pobres", registrava Erico Verissimo em um de seus livros, no qual um popular comentava a dramaticidade do fato. E o próprio escritor gaúcho dava a resposta através de outro personagem: "vai continuar pobre como sempre".

CARTA TESTAMENTO


Cópia da Carta-testamento de Getúlio Vargas, 24 de agosto de 1954:
Cquote1.svgMais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
"Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
"Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
"E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte.
Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

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