Mauricio Figueiredo

Educação, recursos humanos e o melhor do et cetera

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

E agora José?

E agora, José?


"E agora, José? A festa acabou, a luz apagou,
o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?
Carlos Drummond de Andrade

Nos anos 60, o Movimento Estudantil teve papel de grande relevância na luta contra o regime militar, contribuindo para o processo que desencadeou no retorno da normalidade democrática. O auge da luta estudantil foi o ano de 1968 marcado por fatos como a Passeata dos 100 mil, no Rio de Janeiro.
Uma das grandes lideranças do movimento era um jovem chamado José Dirceu, ex-presidente da União dos Estudantes do Estado de São Paulo (UEE), ao lado do seu companheiro de Rio de Janeiro Vladimir Palmeira, ex-presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME),  que lutavam para obter o comando da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Pelas artimanhas do destino, esse mesmo Dirceu - que foi prisioneiro da ditadura, na juventude. Agora, um senhor de idade, é prisioneiro no regime democrático sob a acusação de ser um dos principais arquitetos do esquema de corrupção que o país passou a conhecer como Mensalão, sendo condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
  Em seu livro "Abaixo à Ditadura - o movimento de 68 contado por seus líderes", da Editora Garamond, em parceria com o companheiro Vladimir Palmeira, ele escreveu que "tanto eu como Vladimir representávamos a postura anti-establishment, anti-ordem, até no modo de vestir, de falar, de nos comportar. Simbolizávamos a irreverência, a rebeldia e, nesse sentido, éramos mais do que lideranças contra a ditadura, contra a política educacional. Éramos lideranças que se opunham a todo um estado de coisas, à ordem estabelecida, a uma mentalidade que existia e que nós queríamos mudar. E tínhamos, cada um à sua maneira, todo um folclore à nossa volta".
  Ele se descreve como um jovem diferente, alegando que o simples fato de entrar em um lugar chamava a atenção das pessoas, porque falava, vestia e se comportava de um modo totalmente peculiar. "Tinha a mania de me sentar em cima da mesa do professor, gostava de botar os pés na carteira, usava uma roupa pouco convencional para a época: calça azul, camiseta gola canoa e um sapato sem meia. Ainda por cima, não admitia que alguém falasse alto comigo ou me desse ordens, nenhum professor podia se dirigir a mim desse jeito. Logo me levantava e começava a discutir".
  Mas, ele também conta de uma mudança repentina de comportamento, quando "às vezes me vestia com apuro e a direita na faculdade ficava perplexa, porque eu costumava andar todo sujo, sempre com o mesmo par de sapatos e a mesma calça e, de repente, aparecia de terno e gravata, muito bem-arrumado. Ia assim todo elegante só para mostrar a eles que isso não significa nada - a direita considerava que andar bem-vestido era o critério para julgar que uma pessoa é culta, pertence à elite. Quando fui eleito à presidência do Centro Acadêmico, resolvemos dar uma grande festa na boate mais badalada e chique da época, a Beco. Era um lugar muito exclusivo, mas naquela noite a esquerda é que se divertiu lá."
  A prisão de Dirceu e outras lideranças estudantis ocorreu no desmantelamento do XXX Congresso da UNE marcado para a proximidade de Ibiúna, em São Paulo, no qual compareceram cerca de 800 estudantes. Tratava-se de uma reunião considerada ilegal pelo regime, tendo em vista a representação estudantil ter sido colocada na clandestinidade.
  O Correio da Manhã, de 14 de outubro de 1968, registrou da seguinte forma: "A maioria dos estudantes está dormindo. Outros tomam café. É uma surpresa geral a chegada da polícia. Não há a menor resistência. Os estudantes estão numa casa bem grande e num grande abrigo coberto por lonas. Todos vão saindo, com as mãos apoiadas na nuca. Os policiais ficam surpreendidos. Não esperavam encontrar tanta gente assim... É preciso andar 12 quilômetros, a pé, para chegar até o local onde haviam ficado os veículos. José Dirceu, presidente da ex-UEE de São Paulo, sai entre os prisioneiros presos. A maioria dos policiais não o conhece. Dirceu aproveita para procurar misturar-se com os outros, sem ser identificado. Mas um soldado desconfia de Dirceu. Separa-o do grupo dizendo: 'Esse aqui deve ser cana das boas'. José Dirceu é reconhecido pelo delegado Paulo Boncristiano, que o separa na mesma hora dos outros estudantes. O delegado se entusiasma: "Toda a liderança do movimento estudantil deve estar aí. Precisamos reconhecer essa gente toda, um por um. Será que não escapou ninguém? Será que a Catarina está aí? E o Travassos? Acho que o Vladimir deve estar aí no meio.' Faz muito frio, os estudantes pedem cobertores para se proteger. A maioria prefere ir embora do jeito que está, porque nas bagagens estão coisas que podem piorar a situação: panfletos que a polícia considera subversivos, caixas de balas, armas. Assim, fica tudo abandonado, inclusive documentos, principalmente carteiras profissionais e cédulas de identidade."
  A prisão pela ditadura permitiu que na volta à democracia José Dirceu passasse a ser um dos principais quadros do Partido dos Trabalhadores, no qual alcançou o cargo de ministro da Casa Civil, no governo Lula, com grande projeção no cenário nacional, até o surgimento das primeiras denúncias sobre o Mensalão, desencadeando depois de intensas sessões no Supremo Tribunal Federal (ST ) em sua condenação como culpado.
Sobre o movimento estudantil nos anos 60, Zé Dirceu escreveu que "em São Paulo, passamos vários meses ocupando as faculdades de Direito e Filosofia. As escolas tinham virado repúblicas livres, onde se fazia política, arte, cultura - e até se estudava. Lá comíamos e bebíamos, fazíamos reuniões, eventos, conferências; lá dormíamos e namorávamos. Milhares de estudantes circulavam pelos pátios e corredores, numa verdadeira feira, em ebulição permanente... imagine o que era uma universidade ocupada em 68. Parecia que estávamos diante do embrião de uma sociedade diferente, inaugurando novas formas de relacionamento e de cooperação entre as pessoas. Era uma festa."
Como na poesia de Drummond: "A festa acabou. E agora, José?

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