E agora, José?
"E agora, José? A festa acabou, a luz apagou,
o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?
Carlos Drummond de Andrade
Nos anos 60, o Movimento Estudantil teve papel de grande relevância na
luta contra o regime militar, contribuindo para o processo que
desencadeou no retorno da normalidade democrática. O auge da luta
estudantil foi o ano de 1968 marcado por fatos como a Passeata dos 100
mil, no Rio de Janeiro.
Uma das grandes lideranças do movimento era um jovem chamado José
Dirceu, ex-presidente da União dos Estudantes do Estado de São Paulo
(UEE), ao lado do seu companheiro de Rio de Janeiro Vladimir Palmeira,
ex-presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME), que lutavam
para obter o comando da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Pelas artimanhas do destino, esse mesmo Dirceu - que foi prisioneiro da
ditadura, na juventude. Agora, um senhor de idade, é prisioneiro no
regime democrático sob a acusação de ser um dos principais arquitetos do
esquema de corrupção que o país passou a conhecer como Mensalão, sendo
condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em seu livro "Abaixo à Ditadura - o movimento de 68 contado por
seus líderes", da Editora Garamond, em parceria com o companheiro
Vladimir Palmeira, ele escreveu que "tanto eu como Vladimir
representávamos a postura anti-establishment, anti-ordem, até no modo de
vestir, de falar, de nos comportar. Simbolizávamos a irreverência, a
rebeldia e, nesse sentido, éramos mais do que lideranças contra a
ditadura, contra a política educacional. Éramos lideranças que se
opunham a todo um estado de coisas, à ordem estabelecida, a uma
mentalidade que existia e que nós queríamos mudar. E tínhamos, cada um à
sua maneira, todo um folclore à nossa volta".
Ele se descreve como um jovem diferente, alegando que o simples
fato de entrar em um lugar chamava a atenção das pessoas, porque falava,
vestia e se comportava de um modo totalmente peculiar. "Tinha a mania
de me sentar em cima da mesa do professor, gostava de botar os pés na
carteira, usava uma roupa pouco convencional para a época: calça azul,
camiseta gola canoa e um sapato sem meia. Ainda por cima, não admitia
que alguém falasse alto comigo ou me desse ordens, nenhum professor
podia se dirigir a mim desse jeito. Logo me levantava e começava a
discutir".
Mas, ele também conta de uma mudança repentina de comportamento,
quando "às vezes me vestia com apuro e a direita na faculdade ficava
perplexa, porque eu costumava andar todo sujo, sempre com o mesmo par de
sapatos e a mesma calça e, de repente, aparecia de terno e gravata,
muito bem-arrumado. Ia assim todo elegante só para mostrar a eles que
isso não significa nada - a direita considerava que andar bem-vestido
era o critério para julgar que uma pessoa é culta, pertence à elite.
Quando fui eleito à presidência do Centro Acadêmico, resolvemos dar uma
grande festa na boate mais badalada e chique da época, a Beco. Era um
lugar muito exclusivo, mas naquela noite a esquerda é que se divertiu
lá."
A prisão de Dirceu e outras lideranças estudantis ocorreu no
desmantelamento do XXX Congresso da UNE marcado para a proximidade de
Ibiúna, em São Paulo, no qual compareceram cerca de 800 estudantes.
Tratava-se de uma reunião considerada ilegal pelo regime, tendo em vista
a representação estudantil ter sido colocada na clandestinidade.
O Correio da Manhã, de 14 de outubro de 1968, registrou da
seguinte forma: "A maioria dos estudantes está dormindo. Outros tomam
café. É uma surpresa geral a chegada da polícia. Não há a menor
resistência. Os estudantes estão numa casa bem grande e num grande
abrigo coberto por lonas. Todos vão saindo, com as mãos apoiadas na
nuca. Os policiais ficam surpreendidos. Não esperavam encontrar tanta
gente assim... É preciso andar 12 quilômetros, a pé, para chegar até o
local onde haviam ficado os veículos. José Dirceu, presidente da ex-UEE
de São Paulo, sai entre os prisioneiros presos. A maioria dos policiais
não o conhece. Dirceu aproveita para procurar misturar-se com os outros,
sem ser identificado. Mas um soldado desconfia de Dirceu. Separa-o do
grupo dizendo: 'Esse aqui deve ser cana das boas'. José Dirceu é
reconhecido pelo delegado Paulo Boncristiano, que o separa na mesma hora
dos outros estudantes. O delegado se entusiasma: "Toda a liderança do
movimento estudantil deve estar aí. Precisamos reconhecer essa gente
toda, um por um. Será que não escapou ninguém? Será que a Catarina está
aí? E o Travassos? Acho que o Vladimir deve estar aí no meio.' Faz muito
frio, os estudantes pedem cobertores para se proteger. A maioria
prefere ir embora do jeito que está, porque nas bagagens estão coisas
que podem piorar a situação: panfletos que a polícia considera
subversivos, caixas de balas, armas. Assim, fica tudo abandonado,
inclusive documentos, principalmente carteiras profissionais e cédulas
de identidade."
A prisão pela ditadura permitiu que na volta à democracia José
Dirceu passasse a ser um dos principais quadros do Partido dos
Trabalhadores, no qual alcançou o cargo de ministro da Casa Civil, no
governo Lula, com grande projeção no cenário nacional, até o surgimento
das primeiras denúncias sobre o Mensalão, desencadeando depois de
intensas sessões no Supremo Tribunal Federal (ST ) em sua condenação
como culpado.
Sobre o movimento estudantil nos anos 60, Zé Dirceu escreveu que "em São
Paulo, passamos vários meses ocupando as faculdades de Direito e
Filosofia. As escolas tinham virado repúblicas livres, onde se fazia
política, arte, cultura - e até se estudava. Lá comíamos e bebíamos,
fazíamos reuniões, eventos, conferências; lá dormíamos e namorávamos.
Milhares de estudantes circulavam pelos pátios e corredores, numa
verdadeira feira, em ebulição permanente... imagine o que era uma
universidade ocupada em 68. Parecia que estávamos diante do embrião de
uma sociedade diferente, inaugurando novas formas de relacionamento e de
cooperação entre as pessoas. Era uma festa."
Como na poesia de Drummond: "A festa acabou. E agora, José?
Mauricio Figueiredo
Educação, recursos humanos e o melhor do et cetera
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
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