Mauricio Figueiredo

Educação, recursos humanos e o melhor do et cetera

sábado, 25 de junho de 2011

Educação: uma calça azul e desbotada

                                                                       
Para a leitora Bruna Santos

Houve um tempo em que a escola pública brasileira era movida por quadro negro, apagador e giz. Esse era o máximo da tecnologia educacional. Era o bastante para a formação de excelentes estudantes sob o comando de magistrais professores. Essa era a época em que a escola pública fazia a diferença e pejorativamente, em alguns casos, injustamente, o ensino privado era apelidado de "PPP" (Papai pagou passou).

A rede escolar pública, sobretudo no que hoje entendemos como segundo segmento do nível fundamental (antigo ginasial) e ensino médio (científicou ou clássico), no entanto, era constituída por um pequeno número de estabelecimentos de ensino. Acontece que no Rio de Janeiro e Brasil do século passado, o caminho natural das crianças e jovens das famílias pobres era ao fim do antigo curso primário (quatro a cinco anos de escolaridade) partir para o mercado de trabalho. As vagas do ginasial e científico eram disputadas arduamente por meio de concursos de admissão.

Resultado: os alunos dos colégios públicos estaduais eram, com essa filtragem, de nível elevado. Idem os professores — que por serem em pequeno número — eram altamente selecionados. As antigas escolas normais, comandada pelo Instituto de Educação do Rio de Janeiro eram ilhas de excelência, com a garantia de acesso imediato ao mercado de trabalho ao término do curso. Ou seja, ingressar na escola normal garantia, de imediato, a menina sua vaga na rede de escolas estaduais, como funcionária pública. O Brasil, por sua vez, possuia um elevado número de analfabetos e grande concentração de sua população no campo.

Uma poesia de Drummond de Andrade serve de exemplo desse quadro: "Estou sozinho nessa cidade de dois milhões de habitantes". Hoje o Rio com seu entorno, incluindo a Baixada Fluminense, Niterói, São Gonçalo, etc, forma um conglomerado humano de milhões e milhões de pessoas.

Que esse crescimento vertiginoso das cidades acarretou queda da qualidade de vida é inegável. Por sua vez, o poder público pressionado expandiu desordenadamente a rede de escolas públicas. Houve um período de falta de professores, com o surgimento das professorandas (alunas das escolas normais chamadas a dar aulas sem ainda estarem formadas). As imponentes escolas públicas do passado passaram a se juntar construções de blocos escolares construídos à toque de caixa, sem o cuidado necessário. As escolas passaram a figurar como verdadeiros depósitos de estudantes, iniciando a queda da qualidade do ensino.

Com o golpe militar, várias regalias foram abolidas, sendo a principal delas o acesso direto das alunas das escolas normais ao mercado de trabalho como funcionárias públicas. Estabeleceu-se o concurso para o magistério, com o intuito de recrutar em massa novos professores. A qualidade na formação dos professores foi sensivelmente abalada. A profissão perdeu status e com o passar dos anos, caiu em importância no ranking das profissões preferidas pelos jovens. Verificou-se nos vestibulares que os cursos ligados ao magistério atraiam poucos alunos e entre esses, os de mais baixo rendimento acadêmico.

Hoje, a escola pública — no quadro geral de sucateamento dos serviços públicos — passou a ser a escola dos pobres. As escolas dos "filhos dos outros". A classe média direcionou suas crianças para creches particulares e escolas privadas. Houve uma inversão da pirâmide, em termos qualitativos. Os rankings mostram os pífios resultados da escola pública nos diversos exames de avaliação. Constituiu-se apenas "ilhas" para atendimento de alguns poucos, como são as escolas técnicas, colégios de aplicação e colégio Pedro II.

Nessa desimportância da escola pública, de tabela caíram os salários dos professores. O gestor público — bem ou mal intencionado — vê a escola pública como um grande campo para priorizar outros projetos, deixando de lado a questão da formação de recursos humanos. A aposta começa a ser no instrumental de massa: programa uma tv em cada escola; laptop para alunos e professores (muitos dos quais não sabem como operar equipamentos que em pouco tempo se tornam defasados ou em outros casos a escola não possui estrutura física para receber o material); climatização das salas de aula, antes mesmo de uma ampla revisão dos prédios escolares e de sua infraestrutura; e por fim, a vara de condão do milagre educacional brasileiro: a meritocracia.

O grande problema da escola pública está ligado ao próprio modelo de país que desejamos construir: uma sociedade formada por cidadãos conscientes, produtivos, criativos e com amplo desenvolvimento do pensamento crítico. Ou outra formada por massas humanas aptas a um consumo crescente de bens, mesmo que no fundo não passem de uma calça azul e desbotada apelidada de liberdade.

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