Nos anos 60, o Brasil era um país extremamente pobre, com elevadissimo número de analfabetos, uma classe média insignificante em termos numéricos e uma elite altamente poderosa em termos financeiros, beneficiada pela grande concentração de renda somada a uma série de privilégios que contribuiam para o aumento constante dessa riqueza.
Da mesma forma que um Castro Alves, no passado, se indignou com o
regime de escravidão era natural que muitos se indignassem nos anos 60
com o grande estado de miséria do povo brasileiro e entre esses, os
estudantes, naturalmente, eram os mais revoltados com a situação
existente.
Em 1959, um grupo de barbudos chefiados por Fidel Castro e seu fiel
escudeiro Che Guevara realizou a Revolução Cubana. Grande parte da
juventude brasileira passou a sonhar também com uma Revolução
Brasileira. Praticamente, ela surgiu anos depois, mas não como a
revolução sonhada, mas no melhor estilo de um golpe militar, mas cujos
idealizadores fizeram questão de chamar de Revolução Gloriosa,
antepondo-se a Revolução de 30, que historicamente passou a ser assim
intitulada por ter mexido com as estruturas políticas e econômicas em
vigor.
Já o Movimento Militar de 1964 não teve essas característica. Pelo
contrário, para muitos serviu para impedir as reformas que vinham,
timidamente, sendo colocadas em prática pelo governo João Goulart. A
gota d'água da queda de Jango foi um Comício realizado na Central do
Brasil, no dia 13 de março de 1964, quando o então presidente pisou um
pouco mais no acelerador adotando medidas como a da encampação de
empresas petrolíferas estrangeiras.
Mais ou menos dois anos depois de o movimento militar ter se
estabelecido, dois rapazes da PUC de São Paulo trocavam ideia sobre a
situação política brasileira. Luiz Travassos não titubeou: "Dirceu,
vamos para Cuba? Isso aqui está insuportável. A gente pega um ônibus,
sai do Brasil pedindo ajuda, consegue dinheiro com os estudantes". E
completou a proposta com "Vamos conhecer o Che Guevara".
Por ironia do destino, o estudante que sonhava com um Brasil
diferente, 48 anos depois, do golpe militar, é a figura central de um
dos mais importantes julgamentos da História Republicana, acusado de
corrupção, no episódio que passou a ser denominado de Mensalão.
Justamente Zé Dirceu que, no primeiro governo Lula, como Chefe da Casa
Civil, tinha status de Primeiro Ministro e orgulhava-se do seu partido
(PT), alegando ser a agremiação que "não rouba e não deixa roubar".
Durante o golpe militar, com o endurecimento do regime, José
Dirceu, juntamente com Vladimir Palmeira e Luiz Travassos, era um dos
principais líder do Movimento Estudantil. Eles foram presos logo após a
União Nacional dos Estudantes (UNE) ter realizado Congresso clandestino
em Ibiúna São Paulo, mas em setembro de 1969, junto com outros, foram
libertados na troca feita entre as organizações armadas de resistência à
ditadura com o embaixador norte-americano que havia sido sequestrado,
gerando um grande incidente e revés para os militares no poder. Junto
com mais 12 presos políticos foram enviados para Cuba. Nesse dia, Dirceu
disse ter ironizado o fato com Travassos: "Veja só demorou mas afinal
estamos indo para Cuba. Não é bem como a gente imaginava, mas..."
Dirceu também conta um diálogo, que segundo ele, ocorreu na hora do embarque:
__ Quando o cara do Dops me pôs no avião naquela tarde de setembro,
eu prometi: "Vou voltar, hein! Ele respondeu: "E eu vou te matar".
Devolvi: "Vamos ver quem vai morrer primeiro". Ele era um baixinho meio
careca, usava uma gravata solta, toda aberta, e nessa hora ainda gozou:
"Vocês estão indo embora, conseguiram escapar." E eu respondi: "Mas
vamos voltar, eu não estou indo embora, não estou escapando de nada.
Pode tomar nota que vou voltar..."
Em seu livro "Abaixo a Ditadura - O Movimento de 68 contado por
seus líderes", em parceria com Vladimir Palmeira, da Editora Garamond,
Dirceu descreve sua capacidade de liderança, alegando que: "Muitas vezes
fiquei pensando sobre onde aprendi a comandar, como surgiu em mim essa
capacidade que até hoje muitas vezes me surpreende. No tempo do
movimento estudantil e depois, na prisão, eu relacionava isso com a
minha preocupação de trabalhar mentalmente, analisar as situações, tomar
uma decisão e no mesmo instante aplicá-la. Continuo sendo assim. Uma
das minhas principais características sempre foi, e ainda é, resolver as
coisas e executá-las imediatamente".
E ainda: "Foi graças a isto que, muitos anos depois, tive
iniciativas políticas que considero importantes: dei início junto com o
Suplicy à CPI do Collor, desempenhei um papel de destaque contra o
Quércia em São Paulo e ajudei a organizar a campanha das diretas. Aliás,
foi na executiva estadual do PT de São Paulo que surgiu a palavra de
ordem das diretas, muito antes da campanha, num encontro do partido em
junho de 83. Lembro que na época nós dizíamos que era preciso unificar
as lutas que tinham um aspecto institucional e a chamada esquerda do PT
odiava isso, achava "direitismo". Mas impusemos nosso ponto de vista,
conseguimos estendê-lo a todos os setores da oposição e depois incendiar
os corações de norte a sul do Brasil. O povo queria eleger seu
presidente; isso iria tranquilizar a sociedade e restabelecer a
normalidade constitucional. Estas ideias simples desembocaram na
campanha pelas diretas que encheu o país de esperanças."
Com a volta da normalidade democrática, José Dirceu foi um dos 111
que assinaram a ata exigida para a fundação do Partido dos Trabalhadores
(PT), mas alega que inicialmente preferiu trabalhar na construção do
partido, não se candidatando a cargo eletivo. Somente em 1986 é que
acabou sendo eleito deputado estadual em São Paulo e em 1990 foi eleito
deputado federal.
Por ironia do destino, em 1995, José Dirceu estava completamente
afastado da estrutura do PT, tendo montado um escritório de advocacia.
Seu trabalho político, no entanto, era o de coordenar um programa no
Comitê da Cidadania - um projeto contra a corrupção. Foi daí que afirma
ter levado um susto, quando foi convidado pelo Lula para ser presidente
do PT, convite que já havia declinado em 1993. "Mas dessa vez concordei e
acabei me tornando aquilo que realmente queria, presidente do PT".
Foi justamente essa volta à política partidária que levou o menino
asmático (como o ídolo Guevara) de um dos maiores líderes estudantis do
Brasil ao banco de réus no julgamento histórico pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), que passou a ser conhecido como Mensalão, apontado como o
"Poderoso Chefão" do esquema de corrupção.
O jovem que lutou contra a Ditadura acaba no banco dos réus da Democracia que ajudou a construir.
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"Toda a agitação que dominou o centro
da cidade na tarde de ontem começou pouco
depois do meio-dia, na esquina das ruas México
e Santa Luzia, fundos da embaixada americana,
quando dois soldados da PM que guardavam
a entrada lateral da embaixada, acompanhados
de agentes do DOPS e da Polícia Federal à
paisana, abriram fogo contra os estudantes, que
já haviam feito sua concentração no pátio do MEC
e caminhavam pela Rua Santa Luzia, em direção
ao restaurante do Calabouço.
Uma moça morreu e outras duas saíram feridas a
bala: Márcia Jurkiewics, aluna da Faculdade de
Estatística, ferida no tornozelo esquerdo quando
tentava refugiar-se em um estabelecimento bancário,
(...) e Jeni de Barros Lopes, com um tiro na coxa
direita. (...) Maria Ângela Ribeiro, atingida por um
tiro calibre 22 na fronte, foi levada com vida ao QG
da PM, onde não recebeu socorros médicos, morrendo
em seguida. Até esta madrugada desconhecia-se o
destino de seu cadáver."
Correio da Manhã, 22 de junho de 1968